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29 novembro 2008

vozes da ditadura ainda ressoam




Vozes da ditadura ainda ressoam

* Carlos Lúcio Gontijo


Na pátria amada que nem parece minha/ Autoritarismo se transformou em tradição/ Cresce na pobreza de nosso campo social/ Feito democracia verde de erva daninha/ Que se aninha em lavoura malcuidada/ Os famintos se entregam à sua proteção/ E os privilegiados que o praticam/ Mesmo enfastiados, dele não abrem mão!!! (Lavoura malcuidada, poema editado em nosso livro AROMA DE MÃE, em 1993).


NÃO É preciso ser economista nem sociólogo para detectar que há uma pobreza urbana, de oportunidade, formada por pessoas que têm condições de trabalhar, mas não têm qualquer chance de exercer uma atividade remunera que lhes garanta o sustento digno. Contudo, todas as vezes que o governo brasileiro opta por políticas sociais compensatórias, para livrar da inanição as centenas de milhares de pessoas que experimentam os rigores da miséria absoluta, surgem críticas a esse tipo de medida paliativa, que, se não é solução, pelo menos é gesto cristão e necessário até que o deus-mercado dos neoliberais cresça e absorva o grande contingente de mão-de-obra disponível.
LEMBRAMO-NOS de Jarbas Passarinho, então ministro do Trabalho, em 1968, durante reunião ministerial: “A mim me repugna enveredar pelo caminho da ditadura, senhor presidente, mas, já que é inevitável, às favas todos os escrúpulos de consciência”. E, dentro dessa recordação lúgubre, gostaríamos que, em contexto mais palatável e altruísta, algum representante das elites dirigentes, que têm o mau hábito de “convocar” intervenção dos quartéis quando não mais conseguem contornar suas atrapalhadas administrativas, tivesse o mesmo destemor e entrega, quando o assunto fosse o combate à pobreza.
OU ENTÃO que se propusesse a defender o pão de cada dia para os pobres com o mesmo empenho com que defende as suas ideologias políticas radicais, a exemplo de fala do, à época deputado, Erasmo Dias, no plenário da Assembléia Legislativa, em 1991: “Eu continuo dizendo que mandaria matar comunistas hoje, ontem e amanhã. Eu almoço eles, antes que me jantem”.
INFELIZMENTE, os que ocupam altos cargos e poderiam mover forças em prol da maioria só se ocupam em se alimentar em pratos estranhos aos interesses coletivos, agir em causa própria ou em favor de grupos aos quais representam: bancos, empresários graúdos, mega-investidores e especuladores financeiros, como agora assistimos acontecer em nome do saneamento da crise eclodida pelo ovo da serpente germinada pelo mercado imobiliário norte-americano.
PODE PARECER ilógico relembrar tempos da ditadura militar, mas precisamos nos alertar no tocante à repressão social disfarçada, ungida pelas urnas, que é muito mais abrangente e detentora de uma desmesurada capacidade de torturar cidadãos por meio da promoção programada da desigualdade, da ignorância, da discórdia e da miséria.
HÁ, PELO BATIDO da lata política e carruagem em que trafegam os senhores de terra, engenho e riqueza, uma espécie de premunição coletiva de que os governantes são sempre capazes de ampliar o fundo do poço sem fim, tornando realidade frases como a do ex-presidente Castello Branco, dita ao deixar a Presidência, em 13 de dezembro de 1968: “Vocês ainda vão sentir saudades de mim”.
HOJE, diante do acirramento do imbróglio político, que coloca o presidente eleito democraticamente no fio de navalha afiada pela grande mídia, rebaixada a partido político em vez de se manter como poder moderador e porta-voz da população, levanta-se entre nós uma outra frase-vaticínio, emitida pelo ex-presidente João Baptista Figueiredo (em 1987), que, de além-túmulo, põe em xeque o arremedo de democracia em que vivemos: “A grande falha da revolução foi ter me escolhido presidente da República. Eu fiz essa abertura aí, pensei que fosse dar numa democracia, e deu num troço que não sei bem o que é”.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
(http://www.carlosluciogontijo.jor.br/)

07 novembro 2008

“DEIXEM A QUESTÃO
IMPORTANTE PREVALECER”

*Carlos Lúcio Gontijo

Um batalhão de jornalistas brancos do Brasil, a segunda maior nação de população negra depois da Nigéria, foi convocado para cobrir a vitória do democrata Barack Obama, eleito o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, como ressaltam todas as manchetes. Os brasileiros assistimos embevecidos e sem compreender muito bem as imagens televisivas acompanhadas de comentários que se prendiam o tempo todo à importância política do resultado, sem emitir considerações sobre o exemplo cabal de oportunidades iguais para todos os cidadãos, independentemente de ideologia, religião, cor de pele e tantas outras variantes da formação humana, que estava embutido e claramente descortinado no palco das eleições norte-americanas.
A olhos vistos e silenciosamente, o povo brasileiro tomou, mais uma vez, consciência do racismo subjetivo que corrói a alma do País, subtraindo aos negros a possibilidade de ascensão socioeconômica mais densa, natural e espontânea, em vez de falsa inserção à moda de peças comerciais, nas quais eles aparecem, feito cereja no bolo, em cumprimento à filosofia do “politicamente correto”. Enfim, a realidade é que vivemos em uma nação de negros e mestiços sob o império de economia de brancos.
A extrema valorização dada à questão étnica foi tratada por nossos veículos de comunicação como se não tivesse nada a ver conosco, enquanto todos os leitores, ouvintes e telespectadores perguntavam a si mesmos pelos negros brasileiros, indagando onde é que eles estavam (e estão) – além, é claro, da condenação à pobreza endêmica e às masmorras prisionais.
Imperceptivelmente talvez, devido ao grande espaço dado às eleições norte-americanas pelos órgãos de comunicação, a população brasileira tenha constatado que o fato de sermos detentores de urna eletrônica inexpugnável é apenas um simples detalhe, quando não dispomos de partidos políticos fortes e fechados à inscrição de integrantes desqualificados e mal-intencionados; quando a imprensa se nos apresenta dependente das benesses públicas; quando voto obrigatório cria o eleitor cativo e desinformado, para alegria dos maus políticos, que assim ganham condição de concorrer com candidatos compromissados com o bem coletivo.
Acreditamos que precisa ser adotada no Brasil, como campanha institucional sem data para terminar, a circulação de idéia direcionada à sensibilização de todos os cidadãos no tocante ao exercício da verdadeira igualdade social e à prática do amor ao próximo apregoado por Jesus Cristo. Falamos, no caso, de um pôster, com os traços étnicos de Obama e McCain propositalmente trocados e acompanhados da legenda “Let the issue be the issue” (deixe a questão importante prevalecer), que foi estendido pelos EUA afora, conclamando os eleitores a desprezarem e não levarem em consideração a questão étnica. Aqui, entre nós, a aplicação de tal medida não seria para eleger um presidente negro, mas tão-somente para espargir a mensagem de que é necessário criar condições reais para abrir a porta da casa grande – que foi privatizada – à imensa turma do pelourinho socializado, que resiste ao tempo e se acha instalado por todos os cantos e recantos da nação brasileira.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
www.carlosluciogontijo.jor.br