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29 setembro 2009

A cultura do você não vale nada...

Carlos Lúcio Gontijo


A opção pela cultura do entretenimento e pelo patrocínio aos chamados grandes eventos semearam a falsa idéia de que a literatura voltada para a reflexão não faz parte do mundo cultural, sendo tomada como um estorvo na vida do cidadão à procura de lazer e diversão. Está aí, para não nos deixar mentir, a propaganda institucional da Caixa Econômica Federal, que preferiu enveredar-se para o modismo dos apelos fáceis e desprovidos de mensagem construtiva, ao prestigiar e premiar o arremedo musical “Você não vale nada, mas eu gosto de você”.
Não é à toa que um enorme contingente da população brasileira vive à custa de programas como o Bolsa Família e tantos outros instrumentos assistenciais públicos, cujo objetivo é amenizar os efeitos desastrosos da combinação entre a pobreza intelectual e a miséria material. A certeza absoluta nos dias de hoje é que, além do investimento na produção, é preciso criar condições de acesso democrático a ensino público de qualidade como forma de melhoria da educação e da mão de obra disponível no Brasil. Enfim, é preciso investimento maciço e duradouro no ensino de primeiro grau e ampliar a educação profissional dos adultos.
Os poetas e escritores não podem virar as costas para a situação educacional do País, pois a força da palavra escrita se acha diretamente relacionada com o grau de ensino dos cidadãos. É espantoso nos deparamos com dados que nos dão conta que um servente da construção civil do Canadá lê mais livros anualmente que um estudante de último ano universitário no Brasil.
Estamos na labuta literária desde o lançamento de nosso primeiro livro em 1977 e, ao longo dos anos, assistimos ao aumento das dificuldades em torno da edição de livros, apesar de o governo ter contribuído com a isenção de impostos para o exercício da atividade. Consciente das pedras no caminho dos autores literários independentes, que vão desde o levantamento de dinheiro para cobrir os custos editoriais, passando pelas agruras do momento do lançamento, quando os riscos de fazê-lo em solidão são grandes tanto no tocante a escritor conhecido quanto àqueles que não dispõem de prestígio junto aos meios de comunicação.
Jamais, como jornalista ou como poeta e escritor, perdemos de vista a realidade sob a qual exercemos o nosso trabalho literário. Infelizmente, sempre existiu no Brasil uma pobreza irredutível, formada por pessoas reconhecidamente incapazes – por baixo nível educacional e formação profissional insuficiente ou mesmo saúde precária – de viver por conta própria e que, assim, necessitam de assistência direta dos governos federal, estadual e municipal. Contudo, definitivamente, não alcançaremos melhoria alguma enquanto o trabalho de conscientização não contar com educação de qualidade, razoável índice de leitura e com a divulgação de trilhas sonoras populares bem acima do festejado “Você não vale nada, mas eu gosto de você”.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
www.carlosluciogontijo.jor.br

01 setembro 2009

Biblioteca sob ameaça de fechamento


Carlos Lúcio Gontijo


Quem se acha envolvido com a arte literária não se pode guiar pelos sites e blogs que atraem o interesse de milhares ou milhões de internautas. Literatura nunca foi objeto de interesse das grandes multidões, até porque a história do poder que se manteve (e se mantém) no comando das nações jamais registrou governante entregue ao cabal empenho de dar à sua gente ensino democratizado e de qualidade abrangente. O que assistimos, na maioria das vezes, é à existência de esforços pontuais, à medida que a realidade comprova que o cidadão mais caro é aquele que não dispõe do grau de educação exigido pelo mercado de trabalho e termina por necessitar da proteção de dispendiosas políticas públicas de assistência social.
Platão, ciente da escassez de leitores, dizia que, “se um livro fosse lido por uma única pessoa além de seu próprio autor, já estaria justificada a sua existência”. Ou seja, os que se dedicam ao trabalho literário não se devem conduzir pela busca da fama ou da notoriedade imediata alcançada por pessoas que atuam em áreas de intenso apelo popular. Não há como espaço virtual literário sério alcançar o mesmo número de acesso de BBBs ou chamar a mesma atenção recebida pelas mídias que se dedicam a divulgar fofocas e curiosidades relativas à vida dos que habitam o mundo dos ricos e famosos.
Dentro desse prisma, não nos fazemos dispostos a aceitar o anúncio da possibilidade de fechamento de biblioteca digital desenvolvida em software livre, sob a alegação simplista de que o endereço virtual é pouco acessado (www.dominiopublico.gov.br). Antes de colocar em prática a guilhotina projetada, os burocratas da administração pública brasileira deveriam reportar-se a Platão e, assim, manter no ar tão importante site, no qual o solitário e casual internauta pode ver as grandes pinturas de Leonardo Da Vinci; ler Machado de Assis, outras 732 da literatura portuguesa e várias histórias infantis; ouvir músicas de qualidade em MP3 etc.
Enfim, o que esperamos é que a autoridade pública não caia no conto de transferir para o número de acesso o único motivo para a existência ou não de um endereço virtual voltado ao aprimoramento do conhecimento humano. E tem mais: já pensou se, diante dos descalabros que assolam a humanidade, decretássemos o fim da racionalidade humana por absoluto desuso da razão! Não foi à toa, portanto, que lacramos o contador de acesso de nosso site (www.carlosluciogontijo.jor.br): temos plena consciência que a literatura, quase sempre embebida em sentimento reflexivo, não ostenta o poder de disputar o voo da freguesia com os insistentes chamamentos em direção ao supérfluo bem embalado e dourado como solução para o total esquecimento das dores do mundo, contribuindo para a construção de um ambiente comportamental que deságua na cultura de evento, na qual o hábito de leitura não é visto como fonte de entretenimento, prazer e lazer – não passando de pedra no caminho.
Eis aí o porquê de, ao atingirmos 100 mil acessos, não mais registrarmos o número de visitas ao nosso site, explicando a nossa decisão com o poema CONTADOR LACRADO: Não posso deixar minha literatura/ Dependente de número de acesso/ Seria para ela tortura e retrocesso/ Da internet só quero o endereço/ E o apreço do internauta sensível/ Por isso, apago as luzes da ribalta pueril/ Lacro agora o contador em cem mil/ Ciente de que o louvor que procuro/ É fruto de tempo aos molhos/ Que sobre a literatura por que luto/ Um dia debruçará seus olhos.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista