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21 agosto 2008

À probreza, a cova rasa






À pobreza, a cova rasa!

Carlos Lúcio Gontijo



TODO SER humano gerado sob o signo da pobreza material, educacional e até mesmo espiritual fere os princípios básicos da dignidade, contrariando os desígnios naturais ao transformar e colocar, irresponsavelmente, em segundo plano as exigências mínimas para a formação de elemento humano – o cidadão – útil à sociedade e ao fortalecimento da plena e harmoniosa convivência em comunidade.
A INIQUIDADE econômica tem feito filhos órfãos de pais vivos. São crianças e adolescentes que crescem perambulando pelas ruas e sem qualquer oportunidade de formação cultural ou alguma absorção de regras e valores estabelecidos pela sociedade em que vivem; sem discernimento nem racionalidade, fatores que diferenciam os homens dos animais. E não há "crescei e multiplicai-vos" que se sustente sobre esse horizonte imoral, perverso e anticristão, através do qual se construiu uma espécie de sub-raça, para a qual a sociedade dita organizada reivindica castigo, prisão e morte.
NA REALIDADE, as comunidades são formadas por leis expressas e tácitas, dentre as quais encontramos comportamentos estranhos e decisões inconfessáveis que afetam os padrões da moral e da decência, mas que são aceitos e praticados, de forma inconsciente, em nome do compromisso com a sobrevivência. Assim, a sociedade não apenas assistiu ao crescimento da pobreza e da miséria absoluta como também passou a ver nos desassistidos uma espécie de cidadãos de segunda ou mesmo terceira categoria, exatamente pela falta de acesso aos instrumentos de socialização e cidadania.
SOMENTE ESSE indisfarçável fenômeno de rejeição explica a fria repercussão de freqüentes denúncias da Anistia Internacional – e outros institutos de prestígio e credibilidade –, que em documentos oficiais estima que, no Brasil, pelo menos uma criança morre por dia assassinada por esquadrões da morte. A proliferação dos meninos de rua, que tanto se prostituem quanto aderem ao crime como meio de sobrevivência, acabou por levar a um aumento dos assassinatos praticados, muitas vezes, por policiais fora do serviço. Assinalam, ainda, os relatórios da Anistia numerosos casos de meninos e adolescentes que são surrados, torturados e mutilados por agentes policiais, a exemplo de caso ocorrido em setembro de 1990, no Rio de Janeiro, onde três meninos recolhidos pela Polícia Militar, sob suspeita de tentarem assaltar uma loja, foram obrigados a jogar roleta-russa com um revólver – e um deles, de apenas 13 anos, morreu com uma bala na cabeça, semeando o quadro de violência perpetrada por milícias sangüinárias (primeiramente aplaudidas às escondidas por acomodados homens de bem dispostos a jogar a pobreza na indigência de uma cova rasa) a que presenciamos nos dias de hoje e levando a sociedade, atônita e fingindo inocência, a se perguntar: "mas, de onde veio tanta fúria, tanta insensibilidade e desapreço pela vida?"
TAL PROBLEMA jamais seria tomado como constatação de intensa gravidade, ou de difícil solução, caso representasse apenas a falta de preparo e sensibilidade de alguns policiais ou de determinadas autoridades brasileiras, porém o fato é que aí está implícito o desejo silencioso da sociedade, sempre ansiosa por desfazer de aflições, agruras e problemas que lhe custam ou poderiam custar o sacrifício econômico da divisão e distribuição menos draconiana da renda e da riqueza nacional.
PARA O bem de todos, é necessário que a constatação do absurdo não fique apenas na perplexidade e no desabafo de alguns, apontando o drama experimentado pelas crianças e adolescentes brasileiros pobres como um explícito caso de infanticídio, pois a situação exige que governo, sociedade e igrejas discutam e se acertem em relação a questões polêmicas como controle de natalidade e assistência mais efetiva ao menor desamparado, uma vez que o crescimento da população continua mais elevado entre os mais pobres e, mesmo que o Brasil se encaminhe para o sonhado espetáculo de contínuo crescimento da economia, não seremos capazes de esconder nem conter a fome e o sangue derramados nas calçadas de nossas cidades, que insistem em se nos apresentarem repletas de luzes e vitrines iluminadas em meio a escuridões cada vez mais espessas e tenebrosas.
Carlos Lúcio Gontijo
(www.carlosluciogontijo.jor.br)

Um comentário:

Anônimo disse...

Como sempre o nosso amigo Carlos Lúcio com suas palavras sábias e sua inteligência única de colocar no papel a mais pura realidade da vida.
Parabéns por seu blog e pelas pessoas que nele se expressam
Marisa Campos