Powered By Blogger

07 janeiro 2009

A literatura na gaveta

*Carlos Lúcio Gontijo


O GOVERNO brasileiro retirou a carga de impostos que recaía sobre a impressão de livros, e o dólar, responsabilizado pelo alto preço do papel, andou em baixa cotação por muito tempo, mas nada disso conseguiu diminuir os custos de uma edição no Brasil. Os meios de comunicação, quase que de maneira geral, só se lembram de literatura por ocasião de bienais do livro, que não suprem a necessidade de criação de hábito de leitura e amor pelos livros por parte da população brasileira, que nem se dá conta de que os municípios do País dispõem de pouquíssimas livrarias especializadas. Ou seja, o que temos são papelarias, em plena sintonia com uma nação em que, como ocorreu recentemente em Contagem, cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte, livros de autores como Machado de Assis, Alves de Azevedo e Jorge Amado podem ser encontrados jogados no lixo.
ESTAMOS nos encaminhando para a ampliação de nossa obra literária, com o lançamento de dois novos títulos no transcorrer deste ano, mas continuamos enfrentando e observando as mesmas dificuldades, que colocam a decisão de escrever como apenas um detalhe, que é dependente e sufocado pela falta de editoras dispostas a apostar em autores fora dos holofotes da mídia; a lei de incentivo, que joga o produtor de literatura nas mãos do empresário compromissado, na maioria das vezes, com a projeção de seu negócio e, por isso mesmo, voltado para obras de fácil absorção pelo público ou elaboradas por autores próximos à grande mídia.
JÁ FIZ ao longo dos anos muitos prefácios para livros que jamais saíram da gaveta, numa prova inconteste de que o Brasil, como se vivêssemos em período de exceção e censura, permanece repleto de autores inéditos. No final do ano passado, enviei cartão de Natal para uma amiga a quem não tive a oportunidade de conhecer pessoalmente, a não ser por fotografia e pelo original de um livro de prosa e poesia que ela, gentilmente, me enviou, acompanhado de bilhete solicitando-me um prefácio.
POIS BEM, lisonjeado e com alegria, eu a atendi. Pelo correio, remeti-lhe de volta o material. O tempo passou. A poetisa, hoje octogenária, acaba de nos enviar um cartão com votos de feliz 2009, no qual aproveitou para derramar sua desesperança em um dia imprimir sua obra, situada em patamar, segundo nossa avaliação, bem acima de muita coisa que é editada e badalada Brasil afora. Escreveu-nos ela: “O tempo já levou minhas energias e com elas as armas, os apelos, as ilusões. Meu livro dorme na gaveta em berço esplêndido, como diz o hino nacional. Já me conformei. Aquele prefácio valeu!”
FAZEMOS a absoluta questão de divulgar as palavras de entrega e decepção de uma poetisa legítima em dom e poesia, na esperança de que os altivos e garbosos ocupantes de cargos públicos vinculados à cultura deixem de se nos apresentar como intelectuais superiores e baixem os seus olhos para os autores menores, que, parafraseando a canção, salpicam o chão do Brasil de palavras – estrelas que não são contempladas com o sonhado céu da impressão em papel, pelo simples fato de não existir política cultural no País; a não ser para os notórios e renomados, que, monotonamente, se revezam nas manchetes estampadas pelos entediados e distantes cadernos de cultura editados pelos jornais brasileiros.

Nenhum comentário: