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14 fevereiro 2008

os loucos de samonte

CARLOS LÚCIO GONTIJO *

MESSIA Rolete, Geléia, Lobeira, Pataca, Zica, Sô Bem, João Bola Sete (...), andarilhos das ruas e praças da minha Santo Antônio do Monte (a nossa Samonte), ainda povoam minha memória, misturados às minhas loucuras e manicômios particulares, pois que ninguém nesse mundo de intempéries e injustiças socieconômicas desmedidas é cem por cento saudável mentalmente.
INDICA a sensibilidade do dom com que nasci que os portadores de demência se transformam em crianças e, embebidos na inocência da falta de discernimento, são uma espécie de anjos caídos, estão mais para os mistérios celestiais do que para a dureza que domina a razão e a mente dos que vivem a realidade do dia-a-dia no planeta Terra.
APRENDI com minha mãe Betty a respeitar os loucos que perambulavam pelas ruas e viviam de esmolas ou da caridade de pessoas como minha mãe, que sempre lhes dedicava atenção, além de dar-lhes algum alimento, como um prato de comida que eles comiam sentados nas cadeiras do alpendre, com a mesinha de centro fazendo às vezes de mesa de almoço ou jantar.
CREIO, com todas as energias do meu coração, que não existe vida gradualmente mais importante, superior ou de maior significado, tanto aos olhos de Deus quanto da própria sociedade, pois, como nos diz o filósofo francês André Malraux, uma vida pode não valer nada, mas não há nada que valha uma vida. Com toda certeza, se hoje consigo continuar com inspiração para escrever após a produção de dez livros (e o décimo-primeiro Lógica das borboletas, que já está nas mãos da jornalista e psicóloga Berenicy Raelmy, para o devido trabalho de revisão) e a labuta diária no jornalismo, é por que abri meu coração para aprender principalmente com os pequeninos, os puros de alma, uma vez que os que se consideram grandes sábios nada dão, nada passam de graça – apenas se incumbem de tirar, extrair, roubar...
LEMBRO-ME de “Sô Bem” recitando Camões - olhando trêmulo para os lados, sob o temor de que os alemães, comandados por Hitler, pudessem chegar a qualquer momento -, como que a semear cultura pelas esquinas. Não me esqueço do “Bola Sete”, acompanhando todos os enterros, independentemente de conhecer ou não o falecido. Ali estava clara a lição: a dor da despedida não tem nome nem sobrenome – gente que morre vira espírito e merece ser reverenciada por estar a caminho do indesvendável Reino dos Céus e das energias que movem e iluminam o Universo. Por essa faceta, quando o “Bola Sete” morreu, foi como se ele tivesse ganho no bilhar do reconhecimento: Santo Antônio do Monte em peso acompanhou o seu enterro. Contraditória e surrealisticamente, o cidadão louco ensinou a todos o princípio básico da construção da cidadania verdadeira – a solidariedade!
Carlos Lúcio Gontijo
www.carlosluciogontijo.jor.br
o carlos lucio é amigo de infancia

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo texto impregnado de lirismo social.Poesia em prosa. Mergulhei nas nas reminiscências do escritor Carlos Gontijo; este é o maior dom do artista:fazer as outras pessoas compartilharem seus sentimentos e percepções.